Macaúba: uma joia desvalorizada

Macaúba, bocaiúva, coco babão, coco catarro, chiclete de bugre, chiclete de caboclo, macaíba, macajá…muitos são os nomes desse fruto super especial que dá em quase todo o território brasileiro, e que, no entanto, passa quase despercebido pela maioria dos brasileiros, apesar de sua palmeira estar presente, inclusive, na arborização urbana de algumas cidades grandes do país, e especialmente em Belo Horizonte, minha querida cidade natal.

E por falar em Belo Horizonte, próximo daqui se encontra uma das áreas com maior concentração dessa incrível palmeira, onde fica Jaboticatubas, a Serra do Cipó e Taquaraçu de Minas. No caminho de Belo Horizonte até esses municípios vemos praticamente florestas de macaúbas, que não foram plantadas, estão ali espontaneamente, em um espetáculo raro de se ver.

Florestas de macaúba (Foto: Lucas Mourão)

Jaboticatubas tem um histórico antigo com a macaúba: em meados do século passado funcionava uma fábrica de sabão feito do óleo de sua polpa, que empregava muitas pessoas e gerava muita renda. Atualmente, graças ao trabalho da associação Amanu, em conjunto com moradores e agricultores da cidade, há o resgate do óleo de macaúba, que aparece eventualmente em feiras. Na comunidade do Berto, em Jaboticatubas, está sendo construída uma fábrica para o processamento do óleo, com maquinário moderno aliado aos conhecimentos tradicionais.

Ainda hoje vemos na região pessoas mais idosas, como por exemplo dona Maria Célia, de Taquaraçu de Minas, que ainda dominam a arte de fazer óleo comestível de suas amêndoas, além do sabão, a partir de métodos e ferramentas tradicionais, pouco conhecidas pelos habitantes das grandes cidades. Esses conhecimentos tradicionais infelizmente estão em risco de se perder no tempo devido aos seus poucos guardiões, e ao pouco interesse dos mais jovens em aprender o ofício.

Outra região do estado de Minas importante no conhecimento e uso da palmeira é no Norte, próximo a Montes Claros, onde inclusive existe uma cidade com seu nome: Bocaiúva! Nessa região, mais precisamente em Mirabela, Montes Claros e arredores, há produção de longa data do óleo de macaúba e de seu sabão, a nível comercial, por parte da cooperativa de agricultores familiares Cooper Riachão.

A boa notícia é que, nos últimos anos há um crescente interesse de algumas pessoas, empresas e instituições em explorar a macaúba e todo seu potencial. Potencial esse que é super subutilizado e negligenciado, pois da macaúba aproveitamos tudo! Pelo seu aspecto ornamental, funciona como centro de interesse e em alamedas de jardins e grandes projetos ambientais; pelo lado ecológico ela é melífera, atraindo abelhas; de suas folhas se extrai fibra para artesanato e pesca.

Pelo lado alimentar, os usos são inúmeros: da polpa se extrai óleo alimentar parecido nas propriedades nutricionais, além de outros subprodutos: farinha, polpa para uso em doces e salgados; da amêndoa também se faz óleo alimentar e pode ser comida in natura; seu palmito também é comestível e de sabor adocicado, no entanto o manejo deve ser sustentável, pois uma vez tirado seu palmito, a palmeira morre.

Potes com amostras (da REMAPE*, da UFV-MG) das possibilidades de uso econômico da macaúba (Foto: Lucas Mourão)

Suas folhas e frutos são consumidos pelo gado no pasto e aumentam a qualidade de seu leite. Pelo seu lado medicinal temos indicação de uso para problemas respiratórios (daí seu nome de coco catarro), além de uso da polpa como purgativa e do óleo para dores de cabeça. Na área de higiene e cosméticos, a macaúba serve para produção de sabão e seu óleo é tido como hidratante da pele e cabelos.

Na indústria também tem usos potenciais, através de seu endocarpo (parte preta que separa a polpa amarela da amêndoa branca) que vira um excelente carvão vegetal, e o óleo da polpa que está sendo vislumbrado como biocombustível, principalmente em aeronaves.

Tanta versatilidade que essa planta nos proporciona e, no entanto, não vemos ainda quase nenhum produto de macaúba nos mercados e supermercados das grandes cidades, uma lástima! Ainda há muito espaço para o crescimento do comércio de subprodutos da macaúba que estimulam a economia local e regional, e ainda valorizam parte de nossa cultura que passa despercebida por muitos. Aos poucos parece que esse cenário está mudando. Por exemplo, neste mês de maio houve em Esmeraldas um seminário sobre a macaúba, promovido pelo INSEA, ONG que trabalha com desenvolvimento sustentável, com o intuito de conectar
pessoas e instituições que já trabalham com a macaúba, o que indica que bons ventos estão soprando a favor de nossa joia desvalorizada. Espero que, em breve, essa joia seja mais reconhecida como parte de nossa cultura e identidade mineiras assim como o queijo e o café de Minas.

Lucas Mourão
Educador e paisagista. Formado em Relações Econômicas Internacionais, se encantou com a Agroecologia em 2015, e desde então trabalha com o tema através de cursos, oficinas e consultoria direcionadas ao conhecimento e uso das plantas alimentícias não convencionais (PANC) na alimentação e nos jardins. É diretor e idealizador da Jaca Verde Panc, por meio da qual trabalha a agroecologia e biodiversidade através da educação.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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Janete

Ao fazer busca sobre o produto,me deparei com este texto muito interessante. Desenvolvi um sabonete artesanal glicerinado com a polpa do coco macaúba; gostaria muito de aprender a fazer a extração do óleo de forma manual e caseiro, tanto da polpa quando dá amêndoas.
Já fiquei querendo ter contato com a senhora que vc sita no teste para se possível me passar o conhecimento. 🙏