Mulheres que temperam nossa história - Territórios Gastronômicos

Mulheres que temperam nossa história

Dona Beta e Seu Vicente exibem com orgulho os troféus do Festival Gastronômico Jequisabor de Capelinha no Vale do Jequitinhonha.

Por Eduardo Avelar

Em minha última visita ao Vale do Jequitinhonha, mais precisamente na agradável e hospitaleira cidade de Capelinha,  durante a realização do Festival Jequisabor 2019, me deparei com mais alguns garimpos ricos em emoção e aprendizado.

Como sempre acontece nessas viagens de pesquisas, rastreamos sabores, produtos, aromas, texturas, fornos, fogões e cozinhas em cada canto das comunidades visitadas.

E também, para não fugir às regras e nos enchendo de alegria, o que mais aflora nesses ricos veios, como ouro de aluvião, são as pessoas e suas histórias de superação.

São casos emocionantes de resgates de autoestima e recuperação da dignidade através do crescimento pessoal e profissional, proporcionados pelos saberes e fazeres da culinária nos mais diferentes recantos desse imenso Brasil.

Dona Beta e seus temperos

A artista desta vez é Dona Elisabete Rodrigues Santana, uma senhora de cinquenta e quatro anos, ex-doméstica, casada com um ex-caminhoneiro e mãe de três filhas: duas advogadas e a terceira iniciando os estudos em Gastronomia.

Como é conhecida em toda cidade, Dona Beta desde 2007 escreve mais um capítulo  neste grande livro das mestras e mestres de nossas cozinhas pelo Brasil.

Mais do que uma cozinheira de mão cheia, Dona Beta incorpora um desses grandes exemplos de mulheres guerreiras vencedoras, que superam todas as adversidades e mudam definitivamente os rumos de suas vidas e das suas famílias.

Trabalhando como doméstica,  Dona Beta complementava sua renda em um pequeno bar próximo ao Galpão Cultural de Capelinha, onde foi descoberta pela realizadora do Jequisabor, Ereni Pimenta.

Era ainda a primeira edição do evento, que buscava participantes para o concurso de pratos entre bares e restaurantes, quando Ereni convidou Dona Beta a preparar uma receita para participar.

Acreditando não ter condições de concorrer, Dona Beta foi convencida por Ereni e resolveu arriscar. Com uma receita simples, utilizando-se de hortaliças e ervas de seu quintal, preparou uma deliciosa costelinha com ora-pro-nobis, e inesperadamente foi a campeã do concurso.

Então tudo mudou: a fama chegou e aquilo que antes era apenas um bom boteco, onde ao final da tarde os amigos bebian uma cerveja e jogavam uma sinuca, se transformou no local mais procurado para um almoço de comida caseira, fazendo com que a Dona Beta largasse o antigo emprego e se dedicasse totalmente ao novo restaurante.

E, para completar, chamou seu Vicente para ajudá-la, pois o trabalho se tornou  intenso. Como resultado da aventura, Seu Vicente largou o caminhão e passou a fazer parte da equipe de Dona Beta no restaurante, mas com uma atividade extra: cuidar da horta para produzir as verduras e ervas para as receitas deliciosas da mestra.

E não ficaram por aí. No ano seguinte, veio  o segundo troféu do Festival com a receita de suã de porco com purê de mandioca e salada de gondó.

Hoje, poucos anos depois desta virada, uma bela e confortável casa  substituiu aquela pequena moradia da família, surgindo também um novo restaurante à frente,  mas o quintal e a bela horta com o galinheiro foram preservados como relíquias que até hoje produzem a base das receitas de Dona Beta.

“Além de conseguirmos vencer com o restaurante, conseguimos formar as três filha: duas são advogadas e a terceira está entrando para faculdade de Gastronomia”, fala com orgulho a Dona Beta, ao lado do feliz maridão.

Ainda com emoção, Dona Beta nos confidencia: “Devo tudo isto ao festival Jequisabor e à Ereni, que insistiu comigo para participar. Fiquei famosa”, complementa com um largo sorriso e os olhos marejados.

Alegria das amigas Ereni Pimenta e Dona Beta no reencontro no restaurante Comida Caseira

Então, fui experimentar os sabores da cozinha de Dona Beta, me divertindo com um inusitado menu de degustação do quintal, visitando cada travessa, sem deixar de degustar além da couve, a taioba, o quiabo,  e as outras hortaliças que harmonizaram com o famoso purê de mandioca e a salada de gondó com serralha.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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Chefs e Mestres
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