Maltaria Agrária: história de sucesso e exemplo de garra e superação - Territórios Gastronômicos

Maltaria Agrária: história de sucesso e exemplo de garra e superação

Por Mauro Manzali Bonaccorsi *

Amigos leitores, hoje vamos falar de um ingrediente da cerveja e da admirável história da migração dos Suábios do Danúbio para o Brasil, através do relato da viagem que fizemos a Guarapuava, cidade localizada no centro do território do Paraná. Estivemos entre os dias 31/07 e 02/08 participando de um Workshop de Cervejas Especiais promovido pela Maltaria Agrária.

A maltaria é uma das divisões da Cooperativa Agrária Industrial, estabelecida no distrito de Entre Rios, e que tem, ao lado da soja, milho e trigo, o plantio e beneficiamento da cevada em malte um dos principais produtos. O malte, seja de cevada, seja de trigo ou de centeio, é imprescindível para fazer a cerveja, porque além de carregar o principal açúcar para a biotransformação realizada pela levedura de cerveja, através de processo fermentativo, qual seja, a maltose, o malte, ao contrário dos grãos não maltados (milho, arroz, trigo e cevada entre outros), é dotado das enzimas que viabilizam a quebra da molécula de polissacarídeo (amido), para cadeias de açúcar menores, que são fermentáveis.

As instalações da maltaria passaram por recente expansão, contando atualmente com 3 unidades distintas, cada uma com seu malteiro formado na Alemanha, mas dentro de um mesmo complexo e edificação, a permitir a utilização dos mesmos silos para armazenagem e sacaria do produto final. O processo é verticalizado no prédio. Estivemos no 11º andar, local onde a germinação da cevada é induzida, imersa na água, em grandes tanques de perímetro circular. Depois estivemos em pavimento abaixo, onde é realizada a pré-secagem do malte, que a olho nu nada mais é que o grão germinado, já com uma radícula (pequena raiz), mas com profundas transformações em seu interior, como dito acima. Também foi inaugurada uma cervejaria teste, com os mais modernos equipamentos, colocada à disposição dos clientes para experiências assistidas com emprego dos maltes ali produzidos.

A Agrária produz os mais diversos tipos de malte, mas sua produção é insuficiente para abastecer todo o mercado brasileiro, de modo que é distribuidora exclusiva no pais, também, dos maltes da Wiermann, maltaria de Bamberg, na Alemanha. Mas por que a Agrária é uma cooperativa?

Um capítulo recente da história do Brasil que não é contado na maioria das salas de aula traz a resposta. Se considerarmos como última migração a dos venezuelanos, por conta dos sofrimentos acometidos à população pelo regime ditatorial de Maduro, não menos sofrida e cheia de percalços é a história dos Suábios, que é muito bem conservada, assim como toda sua cultura, tanto pelo Museu Histórico por eles fundado na Colônia Vitória (nome carregado de significado), como pela Fundação Cultural Suábio-Brasileira mantido pela Cooperativa Agrária. No período entre guerras mundiais, a Alemanha estava afundada em crise econômica e impedida de fazer parcerias comerciais com outros países o que repercutiu mais gravemente para os camponeses dentre eles os suábios, ocupantes de uma região vizinha à Bavária, no Sul da Alemanha, na qual corta o Rio Danúbio. Este povo com vocação para a agricultura e que passava grandes dificuldades econômico-financeiras e sem perspectivas de melhora foi incentivado pelo Governo Alemão a deixar a Alemanha e buscar a sorte em uma área do então Reino da Iugoslávia (atualmente Sérvia) com a promessa de ganho de terras férteis e casas. Os suábios então deixaram tudo para trás, vendendo o que podiam e adquirindo embarcações de madeira com as quais desceram o Danúbio rumo à terra prometida. Nas paradas da longa viagem foram convidando camponeses da Áustria e da Hungria que se encontravam em igual situação.

Chegando na Iugoslávia, os suábios constataram que não era nada daquilo que lhes foi prometido. As terras que lhe foram dadas eram de uma região pantanosa e não haviam casas. Os suábios tiveram que desmanchar as embarcações para a construção de barracas e, por cerca de sete anos só conseguiram fazer uma agricultura de subsistência, paralelamente ao trabalho de drenagem de solo nas terras para ampliar a área de cultivo.

Quando os suábios começaram a de fato se estabelecer na região, comercializando a produção agrícola, eclodiu a Segunda Guerra Mundial e a Alemanha anexou o território da Iugoslávia. Os alemães não enxergaram as famílias suábias que lá se encontravam como parte do povo alemão, por conta da sua união com famílias de camponeses de outras origens. E o resultado não poderia ser pior: confiscaram três quartos das terras por eles ocupadas para produção agrícola, reunindo todas famílias no quarto restante. Algo longe de ser igual, mas parecido com um campo de concentração. Finda a guerra, estes suábios, que já eram, portanto, apátridas, acabaram por perder o restante das suas terras, pois a Iugoslávia foi libertada do jugo dos alemães pela então União Soviética e se estabeleceu em um estado comunista liderado por Tito e o que menos queriam lá era pessoas de origem alemã.

Os Suábios do Danúbio não tiveram alternativa senão abandonar a Iugoslávia e buscar refúgio na Áustria, lá permanecendo por 6 anos, de 1945 a 1951, quando então o Governo Brasileiro foi consultado sobre a possibilidade de receber as famílias suábias que estavam na Áustria. Após uma investida sem sucesso junto ao Governo do Estado de Goiás, o Governador do Paraná se prontificou a receber os suábios, mas através da venda das terras do Distrito de Entre Rios, em Guarapuava, a um banco suiço, que por sua vez, financiou as terras para as famílias suábias.

Vocês acham que o período de provação acabou aí? Ledo engano. A começar pela perda de um dos três tratores, que caiu no mar, quando do descarregamento no Brasil.

As famílias suábias não puderam vir todas de uma vez. Foram em um total de outras viagens de navio em tempos diferentes. Aqui chegando as famílias do primeiro navio e levadas às terras de Entre Rios, não havia casa. Tiveram que eles próprios construírem dois pavilhões em que as famílias moravam todas juntas e, através de divisão de trabalho, começaram a cultivar as terras, desenvolver criações de animais para abate para o próprio sustento, paralelamente à construção de casas de madeira, com apenas dois cômodos para cada família. À medida que se esvaziavam os pavilhões, chegavam outras famílias da Áustria, para novamente ocupar os pavilhões e iniciar a construção dos casebres, o que veio a repetir até que todas as famílias que estavam na Áustria chegaram ao Brasil. Tudo isso foi feito à custa de muitos sacrifícios e com muito trabalho em equipe.

Família de mudança do pavilhão para ocupar um casebre (Foto: Acervo Agrária)

A cooperativa surgiu, assim, naturalmente. Não se pode esquecer que havia ainda a barreira da língua, o que de certa forma concorreu para mantê-los unidos e insulados nas colônias, que hoje são em um total de sete, todas em Entre Rios.

Se você for hoje a Entre Rios constatará que nem parece estarmos no Brasil, tudo é muito organizado, moderno e bonito de se ver, desde as plantações até às edificações, com clara referência einxamel, como na Alemanha.

Enfim, estamos diante de um povo calejado e aguerrido, unido pelas adversidades que enfrentaram e que, através do trabalho cooperado, saindo por mais de uma vez do zero, conseguiram, a custa de muito esforço, dar a volta por cima. Além de tudo isto, é um povo agradecido ao acolhimento recebido no Brasil, onde enfim não padecem mais de todas privações que marcaram sua história.

Foto 11: Sala de aula no início do assentamento da colônia, em Entre Rios (Foto: Acervo Agrária)

Mais do que justa, portanto, a homenagem promovida pela Cervejaria Verace, dando o nome Suabia para o rótulo para uma das suas cervejas de trigo, cuja qualidade está à altura desse povo forte, valente, digno e perseverante, que serve de exemplo de superação para o Brasil e para o mundo.

Não deixe de experimentar, acompanhado de amigos à mesa, a Verace Suabia, excelente representante do estilo Weissbier, da mineira Verace, situada no Jardim Canadá, em Nova Lima, partilhando a história aqui contada.

*Mauro Manzali Bonaccorsi

Juiz de cervejas com certificação internacional (Beer Judge Certification Program); Beer Sommelier diplomado pela Doemens Academy/Senac-SP; Cervejeiro Caseiro ganhador de medalha de ouro com amostras em competições nacionais e internacionais (National Homebrew Competition 2019); Idealizador do Brasil Beer Guide app, disponível na AppStore e na GooglePlay.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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