Eu na fila do pão - Territórios Gastronômicos

Eu na fila do pão

A fantástica aventura em uma padaria. Uma aventura cheia de sabores, possibilidades e reflexões. É o que você vai ler na coluna de hoje do professor Rafael Duarte.

A fantástica aventura em uma padaria. Uma aventura cheia de sabores, possibilidades e reflexões. É o que você vai ler na coluna de hoje do professor Rafael Duarte.

*Rafael Duarte
Professor de Literatura
@rafaelduarte_silva

Dessa vez eu consegui acordar cedinho, no domingo, pra ir à padaria. Claro que estive um pouco imerso naquele processo de espreguiçar, virar de lado, olhar as horas e vacilar entre sair da cama e cochilar um pouco. Nesse meio tempo eu pensei: hoje eu posso dormir o dia todo, ficar de preguiça sem preocupação. No minuto seguinte, pensei: hoje eu posso levantar e colocar na lista do dia tudo aquilo que não fiz durante a semana. Lutei contra o lençol e fui pra fila do pão.

Eu adoro padaria. Acho uma loucura aquela vitrine de pães empilhados esperando a hora de serem colhidos. Fico entusiasmado por caminhar pelos corredores criados por ilhas repletas de tortas salgadas recheadas com queijo por cima – na maioria das vezes, frustrantes por terem pouco recheio. Fico seduzido por aquelas roscas de coco, leite condensado e gotas de chocolate. Também sou levado por aquelas roscas bem fofinhas com um creme amarelo por cima. Vivo curioso quando vejo aqueles pães diferentões como são os de cerveja, os de azeitona e os de alho porró. Minha boca saliva toda vez que vejo os bolos: é bolo de bolo, bolo de iogurte, bolo de banana, bolo de milho, bolo de frutas vermelhas com leite ninho, bolo de cenoura normal e bolo de cenoura anormal com chocolate trufado meio amargo e mais um tanto de coisa que nem sei o nome e bolo de aniversário. Eu realmente não sei como esses bolos de aniversário, todos fantasiados com camadas intermináveis de raspas de chocolate estão sempre vistosos ainda que seja 7h da manhã. Tudo bem pra mim, acho lindo a forma como tudo está sempre organizado e me esperando.

Foto: Pixabay

A fila é o tal negócio, né? Um bom dia mal-humorado aqui, um dente mal escovado ali, aquela roupa meio de caminhada meio de ficar em casa, as crianças ainda de pijama e as fornadas saindo. Pãozinho de queijo em cima do balcão te chamando de “meu bem”, suco de laranja no freezer se jogando pra cima de você, biscoito de queijo marcando presença e, além disso, as conversas da espera pelo atendimento. “Como vai a cria?”; “E o galão da massa?”; “Dostoiévski tá em dia?”; “Todo mundo defendendo o SUS?”. Assim a fila anda, enquanto eu penso no que levar pro café.

Cinco pães e dez fatias de mortadela. Pronto. Lá em casa tem café e o resto tá tranquilo. Espera: “dez fatias ou eu peço em gramas?” Porque se eu levo a quantidade exata e falta, vou ficar triste, eu acho. Se eu peço e sobra, tá beleza, eu posso comer enroladinho com queijo depois. Dá até pra jogar um limão por cima, espetar um palito e fazer de tira-gosto no fim do dia. Então vou pedir 15 fatias, porque problemas eu não terei. Até porque calcular gramas eu não sei. Não faço ideia de quantas fatias estão em 200g. Eu nem me daria esse trabalho, eu acho.

A fila do caixa também é uma coisa que me marca em toda ida à padaria. Não sei se é algo meu ou se esses espaços torturam todos da mesma forma, mas no caminho do pagamento eu me deparo com uma espécie de gôndola de supermercado. Alguém na minha cabeça me diz: pão, mortadela e maionese. Outro alguém me indaga: maionese de manhã, pode?. O outro revida: pode e quem sabe até cabe um alfacezinho nesse sanduba. O outro vai: pensa na qualidade de vida, você não é nenhum adolescente. Mais uma vez o outro: coloca logo aquele tomate, joga um ketchup e leva um refri. Eita: o que os outros vão pensar de você?. De novo: você não deve se preocupar com que os outros pensam, satisfaça suas vontades. Como salvação do dilema, o caixa grita: próximo!

Levei um requeijão e um chá gelado. Tá tudo certo. Pão, mortadela, requeijão e chá gelado. Escolha certeira e sem julgamentos. Ninguém briga comigo. Eu não brigo comigo. Chego em casa satisfeito e tomo meu café sentadinho na mesa, admirando a vista, isso porque a mesa fica perto da janela. Mesa perto da janela, amigo, preenche qualquer vazio.

Rafael Duarte é colaborador de Territórios Gastronômicos

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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