Tacho de cobre pode voltar a ser usado na produção do doce artesanal em Minas - Territórios Gastronômicos

Tacho de cobre pode voltar a ser usado na produção do doce artesanal em Minas

Não só o tacho de cobre, mas a colher de pau e outros utensílios tradicionais podem voltar a ser utilizados na produção do doce artesanal em Minas. A notícia foi divulgada por uma representante da Vigilância Sanitária no Estado.

Tacho de cobre

Não só o tacho de cobre, mas a colher de pau e outros utensílios tradicionais podem voltar a ser utilizados na produção do doce artesanal em Minas. A notícia foi divulgada por uma representante da Vigilância Sanitária no Estado.

Por Isabel de Andrade*

Sabor, aroma e textura. São características dos doces produzidos artesanalmente em Minas e que tornam o produto único e com a identidade gastronômica da cozinha mineira. Mas, esse modo de fazer vinha sendo ameaçado desde que uma lei da Anvisa proibiu em 2007 a utilização do tacho de cobre e de outros utensílios tradicionais na fabricação dos doces.

Para discutir ideias e propostas de mudanças nas normas que garantam a autenticidade da produção artesanal do doce em Minas Gerais foi feita uma audiência pública na Assembleia Legislativa nesta terça-feira, dia 03 de maio. A reunião foi agendada pela Comissão de Turismo e Gastronomia, presidida pelo deputado Mauro Tramonte, e criada para dar voz às demandas do segmento. Dada a relevância do trabalho, o coordenador da Frente da Gastronomia Mineira, chef Edson Puiati, informou que um abaixo assinado está sendo providenciado para que a comissão se torne permanente.

Participaram da audiência pública vários produtores de doces artesanais, professores de Gastronomia e Engenharia Química, vereadores e representantes do segmento. Eles enfatizaram a importância do tacho de cobre como um dos pilares das tradições mineiras na produção do doce.

Representantes da gastronomia e do governo participaram da audiência pública ( Foto: divulgação)

Durante o encontro, a diretora de Vigilância em Alimentos e Vigilância Ambiental da Secretaria de Estado de Saúde, Ângela Vieira, divulgou uma notícia que surpreendeu positivamente quem acompanhava a audiência. Ela informou que o tacho de cobre não está mais proibido em Minas Gerais. “Hoje, dia 3 de maio, faz um ano da alteração da lei que proibia a utilização do tacho de cobre. A lei foi modificada depois de várias discussões feitas, inclusive, com a Emater em Minas Gerais”, garantiu. Segundo a diretora, a colher de pau higienizada e em boas condições também está permitida.

Até então, o tacho de cobre só podia ser utilizado na produção dos doces se fosse revestido com estanho. Mas, a medida desagradava os produtores. Conforme explicou a professora Amazile Biagioni Maia, engenheira química e doutora em bioquímica, essa prática altera a cor, a textura e o sabor do doce. Ainda segundo ela, o cobre é metabolizado pelo organismo do ser humano. Isso significa que ele não tem efeito cumulativo e, portanto, não é uma ameaça à saúde.

Tacho de cobre

As novas regras

A nova norma permite, portanto, o uso do tacho de cobre sem o revestimento de estanho. A representante da Anvisa explicou que caberá ao fiscal sanitário avaliar as boas práticas e o processo produtivo para checar se a produção está dentro dos padrões aceitos pela Vigilância Sanitária. “É um novo paradigma que a Anvisa está buscando. Isso nos deixa muito emocionados porque a Vigilância Sanitária quer ser parceria e mostrar tudo o que temos de melhor na nossa gastronomia e turismo”, disse Ângela.

A mudança na legislação também autoriza que a atividade seja feita em residências, obedecidos os devidos critérios de segurança alimentar. O licenciamento passa a ser feito de forma mais ágil. De acordo com Ângela Vieira, a atividade pode até mesmo ser iniciada antes da inspeção sanitária. O alvará poderá ser liberado posteriormente. Para isso, basta o pequeno produtor procurar a Vigilância Sanitária.

Tacho de cobre

O desafio, agora, é que os pequenos produtores artesanais tenham um diálogo aberto com a Anvisa, enfatizou a representante da Vigilância Sanitária. Segundo ela, caberá ainda uma educação sanitária que será direcionada aos fiscais e produtores. “A Emater tem sido uma grande parceira no desafio de levar a informação a cada uma das regionais em Minas Gerais. Para a área artesanal, a fiscalização deve ter caráter orientador, e não punitivo”, disse.

Os representantes do setor da gastronomia comemoraram a notícia. Entre eles, o chef Eduardo Avelar, que há mais de uma década lutou para que a legislação, que representou um retrocesso, fosse revista. Confira o post.

A professora de Gastronomia Rosilene Campolina também esteve presente na audiência pública e levou o tacho de cobre que pertenceu à dona Lucinha, um ícone da culinária mineira. Para ela, a educação terá um papel fundamental daqui pra frente para que a informação chegue até os produtores de doce artesanal. “Agora, é preciso pensar em elaborar cartilhas que decodifiquem a informação sobre a mudança na lei e orientar os produtores para a importância da limpeza e higienização corretas do tacho de cobre”, enfatizou.

Diante da boa notícia, o deputado Mauro Tramonte encaminhou um requerimento à Vigilância Sanitária Estadual para que a mudança na lei seja informada em caráter de urgência às vigilâncias sanitárias de todos os municípios mineiros e associações de produtores de doces. Para saber mais sobre as novas normas é só consultar a Resolução de Diretoria Colegiada n° 498, de maio de 2021. “Se soubéssemos que estaríamos comemorando um ano da revogação da lei, estaríamos fazendo uma festa, e não uma audiência pública”, finalizou Mauro Tramonte.

Veja Também: Tacho de Cobre x Anvisa- Quem é realmente o Vilão?

Antes tarde do que nunca!

Eduardo Avelar

Em 2010 seminário promovido pelo Estado de Minas e a Conspiração Gastronômica já concluía o óbvio para proteção de nossas tradições. Um absurdo que demorou mais de 10 anos para ser devidamente assimilado e corrigido pela Anvisa . Antes tarde do que nunca! Parabéns a todos que de alguma forma lutaram para corrigir essa injusta falta de bom senso histórico de nossos gestores e legisladores.

Confira o resumo do Seminário da Conspiração Gastronômica

Já se passaram alguns dias em que estivemos no evento Minas + Viva promovido pelo jornal Estado de Minas, quando debatemos sobre a sustentabilidade na gastronomia. Um dos assuntos mais interessantes abordados na ocasião foi sobre os perigos das bactérias, dos tachos de cobre e da colher de pau. Desde o final deste evento venho recebendo mensagens com perguntas sobre quando será o próximo round. E a todos tenho repetido que não acredito mais na forma sugerida para se resolver esses embates. O entendimento e as discussões já subiram para outro patamar, onde os argumentos são os principais temperos nesta receita de cozimento lento.

Voltando aos “inimigos”, na ocasião, o convidado Gilson Sales, gerente de educação sanitária e apoio a agro indústria familiar do IMA, nos deixou “aterrorizados” ao falar sobre as bactérias benignas de uma determinada cidade que, ao atravessarem as fronteiras podem se tornar terrivelmente mortais para os vizinhos. Assim é o entendimento tragicômico de certas leis federais que esses profissionais são obrigados a acatar, mesmo concordando que o maior problema não está nas bactérias.

No caso das colheres de pau e dos tachos de cobre, o professor da UFMG e bioquímico de renome internacional, Leonides Resende, fez uma explanação, também se utilizando do humor, ao nos afirmar categoricamente que se um indivíduo chegar a se contaminar com cobre por ingestão, pode-se ter a certeza de que ele tentou o suicídio, pois é impossível que o cobre dos tachos passe para os alimentos. O mesmo não se pode afirmar com relação ao estanho, e muito menos ao mal que esse pode causar. Mas, mesmo assim, os produtores de doces de Araxá estão sendo orientados a estanhar seus tachos. Quanto às colheres de pau, a tese de que as rachaduras da madeira são um grande risco de abrigar bactérias, tem sua importância minimizada pelo professor, ao afirmar que a simples prática de higienização em solução clorada pode evitar esse risco. Enquanto isso, nada se diz a respeito dos perigos do ponto de fusão das colheres de plástico, aprovadas pela Anvisa. As altas temperaturas dos doces podem fazê-las derreter soltando resíduos tóxicos. Já com relação às tábuas também de plástico, e segundo relato do coordenador de gastronomia do SENAC, professor Edson Puiati, após o uso, elas tem de ser lixadas, pois as pequenas fissuras causadas pelo corte das facas também se tornam esconderijos para bactérias. Mais uma prova inquestionável de que o ponto principal a ser abordado é a higiene e a educação.

Portanto, amigo da cozinha, mais uma vez coloco este assunto na ordem do dia, pois já estamos maduros o suficiente para tomarmos atitudes mais eficazes por nossas tradições à mesa. As escolas de nutrição e engenharia de alimentos podem dar o exemplo, abrindo os debates para preparar melhor os nossos jovens, que podem se tornar os principais vetores para reeducar os produtores e redirecionar essas leis ultrapassadas. Outro exemplo deveria partir do governo de Minas que ao anunciar a gastronomia como uma de suas prioridades, poderia encaminhar o tema para discussão na Assembleia, para que se estabeleçam parâmetros mais justos e modernos em favor de nossos processos artesanais produtivos.

Vamos ficar até quando com cara de tacho, invejando as culturas da França e da Itália, como se essas tivessem brotado nas oliveiras do mediterrâneo por obra divina, e não nascidas e adubadas ao longo dos anos pelo respeito às pessoas, às suas preferências e tradições?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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Doces e Quitandas
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