Bienal e Ansiedade - Territórios Gastronômicos

Bienal e Ansiedade

Confira as impressões do Lino Ramos, Membro da Secretaria Executiva da Frente da Gastronomia MIneira, sobre a Bienal do segmento que aconteceu em Belo Horizonte no mês de outubro.

Confira as impressões do Lino Ramos, Membro da Secretaria Executiva da Frente da Gastronomia MIneira, sobre a Bienal do segmento que aconteceu em Belo Horizonte no mês de outubro.

Bienal e Ansiedade

Lino Ramos *

Lino Ramos – Foto: Luiza Silva @luizasilvafotografa

Inexorável, imperioso dizer. Parabéns à Belotur e à Prefeitura de Belo Horizonte pela ousadia de bancar a primeira Bienal da Gastronomia da cidade, encerrada na última semana.

Registrado o elogio sincero, vamos às discussões que pude acompanhar. Na abertura, a história da cozinheira colombiana Leonor Espinosa revigorou minhas esperanças. De cara, ela disse que só é chef quando está na cozinha, junto com seus comandados. Fora dali, é uma cozinheira. Lindo saber que quando ela foi eleita como Chef do Ano em 2022, sua alegria foi o fato de que o prêmio lhe daria mais voz, ela seria mais ouvida em suas ponderações sobre a gastronomia ser instrumento, predominantemente, na geração de bem-estar econômico, principalmente nos países em desenvolvimento.

Chef Leonor Espinosa: Foto: @NereuJr / @IEatMyJob

Também soou como boa música a história do “Casal Mocotó”, Rodrigo Oliveira e Adriana Salay. Eles mostraram que é possível viver da gastronomia abrindo mão de alguns privilégios para, com isso, dar uma vida mais digna para a brigada de seus restaurantes. E o que dizer do Edson Leite que, após aperfeiçoar seus conhecimentos na Europa, optou por fincar os pés no Jardim São Luiz, retornando à sua origem para abrir uma escola de gastronomia gratuita para a comunidade? Aos menos afeitos à geografia paulistana, o bairro faz divisa com o Capão Redondo, em uma das mais abandonadas zonas periféricas da capital paulista, o que faz do projeto uma oportunidade única de inclusão.

Bigode do “Bar do Bigode”recebendo homenagem da Frente da Gastronomia MIneira das mãos do Lino Ramos ao lado do Pequetito, narrador da Radio Itatiaia – Foto: Luiza Silva @luizasilvafotografa

Dito isso, também é importante pontuar algumas questões. Tínhamos tudo para pautar a mídia nacional gastronômica, mas a cidade sequer abraçou a ideia. Precisamos resolver de vez essa questão dos templates adotados por nossos influencers gastronômicos. Temos que aprender a mobilizar mais, e democraticamente, para que todas e todos tenham acesso ao conteúdo que se pretende dividir. Que não pode mais ser restrito ao fine dining, mas que se reconheça aqueles que promovem melhorias no mundo por meio da cozinha.

Um evento desse porte, que teria o condão de reunir e mexer não apenas com Belo Horizonte, mas com Minas Gerais inteira, não pode se resumir a um encontro de amigos. Que escancara privilégios. Como falar de diversidade, inclusão e popularização da gastronomia se, antes das palestras que marcaram o Fórum Internacional, evento que encerrou a Bienal, os “invisíveis” acompanhavam, indignados, o constante fura-fila (que ia da porta do Sesc Palladium até a esquina do Shopping Cidade) por parte dos “portadores de notoriedade”?

Lino Ramos – Foto: Luiza Silva @luizasilvafotografa

Após essas pequenas queixas, talvez possíveis de cancelamento, a despeito de não me achar tão importante para tal honraria, ressalto que os ecos dessa Bienal ainda ecoarão por muito tempo, mas uma lição precisa ser destacada, de modo a permanecer perene. Quem vem de baixo tende mais a reconhecer o valor da mão de obra da turma do salão e da cozinha. Fico na torcida para que a turma do “jantar fino” enfim entenda que investir em “gastronomia social” não se limita a ações de tratamento de imagem de um negócio que está sob o constante olhar crítico da opinião pública ou para atender aquele condicionamento necessário para se obter o certificado ESG. Acima de tudo, é ter sensibilidade com a dor do outro. É saber qual o tempo que seu cozinheiro gasta para chegar no trabalho a tempo de preparar o mise en place do seu menu de sete passos. Quando isso acontecer por aqui, Belo Horizonte será dona não apenas do título de Cidade Criativa mas, de fato, o de Cidade Inclusiva da Gastronomia.

  • Lino Ramos é jornalista, cozinheiro e produtor cultural. Após passagens pela Secretaria de Estado da Cultura e pelo Conselho Estadual de Turismo, é membro da Diretoria Executiva da Frente da Gastronomia Mineira. Criador da Quina do Lino, que desde 2017 promove eventos culturais em Belo Horizonte, com destaque para a Festa Chilena de BH, o Comida no Prado, o Além das Gerais e o Conexão 9210, além de atuar como consultor e curador de diversos outros eventos na capital mineira quando se trata de gastronomia.

@quinadolino @lino_ramos

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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